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Programa

Ao longo da sua riquíssima vida, que esta exposição prolonga agora, não com uma homenagem póstuma, mas como um meio de dar a conhecer uma obra muito vasta e extensa, que em algumas áreas permanece inédita, nomeadamente por integrar várias coleções particulares, Manuel Lima foi um mestre. Não no sentido atual, de alguém com um título universitário do segundo ciclo, mas daquele que tem grande mérito, que domina muito bem uma área, que dirige uma “oficina” ou, também, aquele que acolhe outros, os alunos, ou melhor, os discípulos, e os forma no seu métier. Manuel Lima, foi professor na importante Escola António Arroio, docente na Escola Superior de Belas Artes da Universidade de Lisboa e foi também mestre a outros níveis, nomeadamente como artista plástico, produzindo um corpus de obras muito significativo, com uma qualidade inquestionável, sendo o seu percurso artístico conhecido e como tal plasmado nos vários catálogos das muitas exposições que realizou.

Relembre-se que nasceu em 1911, no primeiro ano da República.

Com capacidades plásticas evidenciadas desde tenra idade, frequentou a Escola Superior de Belas Artes no primeiro quartel do século terminando o Curso Superior de Pintura, onde foi aluno, ou melhor, discípulo de alguns de nomes bem emblemáticos do naturalismo português de onde destaca Simões de Almeida (sobrinho), Henrique Franco ou Veloso Salgado.

A análise da obra de Manuel Lima impõe, antes de mais, um enquadramento temporal.

Todos somos, sem dúvida, fruto da nossa época, e o autor em apreço foi-o claramente, a sua vida decorreu num período muito peculiar, o século XX. Viveu a mocidade nos anos 20 e começou a vida profissional na década de 30 no Portugal do Estado Novo, um tempo particularmente perturbante da nossa história, o que se evidencia claramente na esfera das artes plásticas. Estas, em Portugal, derivam por um lado de todas as propostas modernistas, sobretudo com as exposições no Bristol Club, as obras de Amadeu de Souza Cardoso e da geração do Orfeu, que depois foram totalmente reformadas e recuperadas por António Ferro no Secretariado da Propaganda Nacional - SPN, depois Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo - SNI, colaborando muitos dos autores na grande Exposição do Mundo Português de 1940, onde também foram apresentados vários trabalhos de Manuel Lima, pelo que se pode afirmar que a sua obra é absolutamente exemplar do compromisso entre uma notável modernidade e uma estética muito específica portuguesa.

Foi pintor, desenhador, cenógrafo, autor de cartões para tapeçarias e painéis de cerâmica, ilustrador para periódicos, etc., havendo a referir que, qualquer que seja a linguagem escolhida teve sempre uma linha coerente. É importante referir que, quem se interesse pela matéria artística, rapidamente encontra denominadores comuns identificáveis. Não é efetivamente difícil fazer a atribuição de uma obra a Manuel Lima. Como características tem, sem dúvida, uma expressão plástica invulgar, um domínio da linguagem do desenho, fruto de capacidades plásticas inatas complementadas por uma sólida formação académica.

A sua preocupação jamais foi experimentalismo, tantas vezes pouco fértil e que leva a nenhures, como se verifica frequentemente no panorama contemporâneo. Assim, é produzida uma linguagem apropriada à comunicação pretendida, num arco alargado de temáticas, que vai do retrato à paisagem, sendo de referir como particularmente importante, o facto das artes da cena estarem presentes a vários níveis. Importa realçar este aspeto que se torna uma particularidade própria, que não será exclusiva do autor em apreço, mas que no caso é mesmo transformada numa quase forma de vida: trata-se da ligação ao mundo espetáculo.

Efetivamente, não pode ser dissociada a obra de Manuel Lima da sua vida no Teatro, iniciada nos anos 30 e também no Cinema, um pouco mais tarde, a partir de 1946, sendo responsável pela cenografia e direção artística num número muito relevante de produções para ambas as áreas à semelhança de outros autores, como Almada Negreiros, com quem conviveu. Na esfera particular da arte dramática, registe-se que desde muito cedo que trabalhou para várias salas de espetáculo e para diferentes géneros de teatro, da revista do Parque Mayer ao teatro erudito. Se um núcleo importante do seu trabalho foi efetivamente para o teatro de revista, é importante registar que jamais se ateve só a este, antes pelo contrário, teve produções muito significativas em outros géneros, nomeadamente no Teatro Experimental do Porto, tendo criado e coordenado a execução de inúmeros cenários.

Não pode, também, deixar de ser citado, o seu trabalho na esfera do Cinema nomeadamente como cenógrafo ou diretor de arte, que teve início como assistente de arte no filme Camões de Leitão de Barros em 1946. Assinou posteriormente a direção artística de um número significativo de filmes entre este ano e 1972. Trata-se efetivamente de uma vida no Teatro e no Cinema da qual a Escola Superior de Teatro e Cinema faz no presente ano de 2018 uma pequena mostra, onde se expõe apenas uma muito ínfima parte da produção vastíssima e que merece um levantamento exaustivo, esse sim por fazer, pela sua qualidade e extensão, deveria ser publicado em estudo vocacionado. É muito importante afirmar que este ato de criação era acompanhado com a vivência de um ambiente muito específico, onde o convívio com algumas das mais notáveis figuras do panorama artístico se dava tanto no palco como fora dele. Há a referir que viveu num tempo onde pintores conviviam em tertúlias com escritores, com jornalistas, com atores, num ambiente que tinha tanto de boémio, como de cultural. Este ambiente boémio do “mundo” do teatro, de um mundo que infelizmente já se perdeu que era o viver na Arte, a forma de passar os dias, as discussões, o confronto intelectual, mas também a tal boémia, uma boémia muito especial, lembre-se que o cabaré Maxime era mesmo ao lado do Parque Mayer e são, no fundo, estas referências que nós conseguimos ver na sua pintura.

Este modo de viver, que influenciou e está plasmada em toda a sua obra, considerando-se mesmo que esta ganha novo significado se feito o cruzamento apontado. São todos estes detalhes que estão retratados e de forma muito interessante na sua vasta, extensa e importante obra, onde o mundo das artes do espetáculo é omnipresente. Está também presente em muitos dos seus retratos, onde tantas vezes a emblemática máscara que remonta a Grécia clássica faz parte da composição, permitindo e complementando a representação do retratado. A própria forma como representa a natureza, nas várias paisagens que executou, remete também para o mundo da cenografia lembrando muito os telões gigantes pintados pelos cenografistas. A relevância do seu trabalho é ainda mais significativa tendo em conta que fez obras para importantes edifícios públicos, onde se incluem as pinturas que decoravam o salão nobre do Teatro D. Maria II eram da sua autoria. Disse Marisa Frohlich Seidel (2016) no seu artigo “Arte Contemporânea: Arte e Vida” que «A arte é uma atividade fundamental ao ser humano, pois quando o homem produz, ele interage com o mundo em que vive e consigo mesmo.

Ela é necessária para que o ser humano se torne capaz de conhecer e assim poder mudar algo. É capaz de comover a alma, pois expressa sentimentos. Tem a função de estimular o pensamento humano, de fazer pensar sobre o mundo em que se está inserido e sobre a própria forma de vida, tudo isso porque a arte é um conhecimento, uma expressão humana muito forte, é um grito que provém da alma.» Foi, no fundo, o que Manuel Lima se limitou a fazer e não foi pouco, já que como artista plástico foi efetivamente exemplar de uma maneira, de uma forma de fazer arte, em Portugal.

Paulo Morais-Alexandre