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Está patente na ESTC, de 19 de janeiro a 19 de fevereiro, a exposição "Krzystof Kieslowski - Cartazes de Filmes".  A exposição, organizada pela Embaixada da Polónia em Lisboa, reúne 30 cartazes de filmes e um resumo biográfico do realizador polaco. A inauguração da exposição foi no passado dia 19 de janeiro, e contou com a presença do Presidente da ESTC, Professor João Maria Mendes, da Representante da Embaixada da Polónia em Lisboa, Anna Piekosz e da dra. Anna Jelnika, especialista na obra de Kieslowski.

Transcrevemos abaixo a intervenção da dra. Anna Jelnika, que faz o enquadramento da vida e obra de Kieslowski, em particular da importância dos cartazes dos seus filmes:

Cartazes de filmes de Kieslowski na ESTC | Por Anna Jelnicka

 

cartazes

A exposição agora patente na ESTC, preparada pelo Museu de Cinematografia de Lódz, é constituída por 28 cartazes sobre os filmes de Krzystof Kieslowski oriundos de vários lugares no mundo. Tem como objetivo mostrar a popularidade intemporal do realizador no mundo inteiro. Os cartazes foram criados entre 1976-94 e são de dois tipos diferentes: os cartazes promocionais feitos pelo produtor e os criados especialmente por artistas plásticos. Duas realidades bem diferentes, naturalmente.

Quanto a autores polacos, vale a pena destacar Andrzej Pagowski (considerado por Kieslowski um dos seus favoritos). Algumas das suas obras foram premiadas. Por exemplo, o cartaz do filme “Amador” recebeu o 3° prémio no concurso internacional de cartazes cinematográficos divulgado pela revista “The Hollywood Reporter”, em Los Angeles (1980). No mesmo concurso, foi também destacado o cartaz para o filme “Sorte cega”. O cartaz do filme “Sem fim” foi premiado em maio de 1985 no concurso de melhor cartaz cinematográfico em Varsóvia. No mesmo concurso, 3 anos depois, foi premiado o cartaz sobre o filme “Não matarás”.

Os cartazes promocionais, como para os filmes da “Trilogia das cores“ foram preparados pelo produtor e constituem a maior parte da exposição. Eis algumas citações interessantes de KK:

O cartaz é, para mim, a capa de um livro, a caixa de um disco, a caixa de uns ‘Camel’ ou uma minissaia. É algo que revela e promete – o que só vira a ser importante no seu interior. Contudo, o cartaz em si tem de ter uma grande qualidade. A sua classe testemunha a classe do que ira' revelar.”

  “Olho para estes anúncios e se forem bons, dão-me vontade de acender um cigarro, tirar o disco, ir ao cinema. Fiquei a saber algo, mas pouco. É essencial: permanece o mistério, algo desconhecido, que só consigo imaginar. Prometeram-me algo, quero descobrir o que.”

Apesar de terem passados 20 anos desde a sua morte, ainda sentimos a presença do criador do “Decálogo”. Talvez agora, paradoxalmente, ele esteja mais presente nas nossas mentes e emoções, do que alguma vez esteve em vida. A sua morte abriu portas para novos debates acerca das suas obras. Aumentou o interesse pela vida e obra do homem, cujos filmes ainda movimentam emoções e despertam o pensamento.

Grandes retrospetivas do seu trabalho foram realizadas em Nova Iorque, Roma, Paris, Moscovo, Varsóvia e Tóquio. Multiplicaram-se conferências e simpósios, livros, álbuns, websites, filmes, espetáculos, composições musicais e plásticas. Ergueram-se escolas, prémios e festivais com seu nome. Programas de televisão em Espanha, Suíça, Polónia e Alemanha animaram discussões inspiradas no “Decálogo”. Finalmente os críticos identificaram este fenómeno de popularidade – temos “o culto de Kieslowski”. Permanece até hoje. Manifesta-se tal como dantes, com várias festas, exibições de filmes e discussões, e com a participação de gerações mais novas. De onde vem esta popularidade? Não é uma pergunta fácil, pois existem várias respostas. A mais relevante? Talvez porque os seus filmes são intemporais, não envelheceram e são sempre considerados atuais. Cada espectador identifica nos filmes alguns dos seus próprios problemas.

Em junho, 2016, em Wroclaw, durante o evento “Kieslowski i kino moralnego niepokoju” mostraram “Cicatriz”, “Amador”, “Sorte cega” e “Sem fim”. Estas antigas produções, criadas entre 75-85, despertaram um interesse genuíno.

Kieslowski morreu com apenas 55 anos, deixando-nos uma variada coleção de 50 filmes. Quando se assiste aos filmes por ordem cronológica, podemos observar as suas reações à realidade que o inspirava, como mudava e se desenvolvia, como aperfeiçoava o seu trabalho. Observamos a sua sensibilidade não só artística mas também humana, enfim, a sua paixão pelo ser humano. O seu interesse não era para com a multidão, mas sim para o homem singular e o seu relacionamento com este mundo, com as autoridades, a sociedade, a família e os amigos. Era um realizador humanista, sobretudo um realizador da própria alma humana. Era um falador introvertido. Não através das palavras ou gestos, os quais usava com grande moderação, mas sim através dos seus filmes abrindo assim uma discussão que ainda hoje continua.

No dia a seguir à sua morte, vários artigos mencionava Kieslowski como “herdeiro dos melhores” - de Bergman, Fellini, Rossellini, Ozu, Tarkowski ou Renoir”. “Renovou as melhores tradições do cinema europeu”. Dizia o produtor da trilogia - Marin Karmitz: “foi alguém que nos devolveu a esperança no homem e na superioridade da humanidade sobre a barbárie.” Um publicista italiano, Tullio Kezich escreveu no “Corriere della Sera”: “Kieslowski será relembrado como o maior realizador de todos os tempos; os seu filmes ensinaram-nos que atrás de cada janela há sempre uma história que merece ser observada, analisada e respeitada”. E na Berlinale de 2006, disse o professor Gesin Schwan, da Universidade em Frankfurt: “apesar do mundo estar sempre a mudar, precisamos dos filmes de Kieslowski hoje, mais do que nunca.

Porque hoje mais do que ontem? Será porque na era de mundos virtuais é sempre mais difícil falarmos dos temas mais elementares ou espirituais? Ou porque o cinema do século XXI  se afastou das nossas próprias preocupações? Se calhar o turbilhão tecnológico e mediático em que vivemos, com over load de estímulos e informação, deixa-nos algo cegos e perdidos. Nestas circunstâncias os tranquilos filmes de Kieslowski fazem sentido e permitem uma reflexão.

Nos seus filmes, Kieslowski considerava as personagens como fossem pessoas verdadeiras, preocupava-se com eles, amava-as verdadeiramente. Empatia essa presente em todas as suas obras. Não encontramos mentiras, mimetismos, ações que estão na moda, fantasias, mas sim a pura e honesta realidade, demostrada por um talentoso observador. Talvez mais ainda – encontramos a disponibilidade para perdoar. Não são muitos os artistas que aceitam as palavras de Albert Camus: “no final, o homem é sempre absolvido”. Camus foi para Kieslowski uma grande inspiração. Durante as filmagens de “Sem fim” tinha sempre o seu romance A peste debaixo do braço.

Deste o início e ao longo dos anos, demonstrou uma contínua ansiedade metafisica. Daqui nasceu a sua perpétua pergunta sobre o papel do puro acaso nas nossas vidas. Com o tempo, esta questão voltou a ser colocada, por exemplo em “Decálogo”, “A dupla vida de Véronique”ou “A trilogia das cores” e transformada na análise da natureza do destino. Kieslowski mantém forte inquisitivitade na descoberta da verdade, da qual conseguia ver apenas uma sombra. Tem sensibilidade e uma certa humildade perante o sofrimento. Muitas vez dizia: “O que mais me inspira é o que me rodeia e as vidas das pessoas”.  Os seus filmes são marcados pela autenticidade e sinceridade das personagens, enquanto o autor continua a sua busca de respostas a perguntas universais e intemporais sobre o homem e a sua natureza.

Da perspetiva de hoje notamos também que o seu trabalho está fortemente ligado à sua atitude. Dizia ele: “Só um homem honesto pode fazer um filme honesto”; e constantemente tentava permanecer fiel a esse lema. Um dos pontos essenciais do seu pensamento e trabalho era a observação da sua própria vida. Para realizar os seus objetivos dava tudo o que tinha, toda a sua personalidade. Manteve-se firme por detrás das suas obras, tal como o seu companheiro espiritual Saint-Exupéry fazia.

O que mais conta, afinal, é que o trabalho de Kieslowski continua a ser apreciado bem como a sua técnica. Essa é simples – consta na cuidadosa análise, como ele dizia, “do que permanece suspenso entre o céu e a terra”, ou seja um confronto entre uma ideia ou um valor e o seu papel nas nossas vidas.

O criador da “Trilogia” não tinha medo de confrontar as ideias fundamentais da cultura europeia com a realidade que o circundava. Verificava como estes ideais – tão declarados publicamente - funcionam na prática, na vida de cada pessoa. Estas verificações, bem presentes nos seus filmes, são elemento essencial do valor da sua obra. Provocaram e provocam intensas discussões e reflexões sobre a liberdade, a fraternidade e a igualdade, bem como sobre o amor e o ódio, ou ainda sobre o crime e o seu castigo. Ou antes sobre o que é misterioso, fugaz ou invisível.

A habilidade extraordinária de Kieslowski residia na sua capacidade de entrar num mundo aberto aos filósofos ou aos grandes escritores sem cair no moralismo. Sem nos dar um sermão, mas permanecendo sempre um de nós, ou seja, um observador atento a contradições, ambiguidades e paradoxos. Fazia-o de maneira aguda e saturada de verdade emocionante. Durante toda a sua vida profissional teimosamente e de forma consistente preguntou: “Como viver? Esta pregunta abriu e abre ainda hoje o caminho ao público que circundado pela banal e brutal cultura audiovisual procura estímulos para a contemplação. É indubitavelmente difícil encontrarmo-nos nas fascinantes produções de fogos artificiais, de beleza ficcional, de super-ações de velocidade inacreditável. Se calhar é esta a razão por qual voltamos as grandes obras de cinema do autor como se fossem a fonte da vida.

É importante que não desapareça a fé que temos no cinema, como ferramenta de aprendizagem e profunda reflexão sobre os emaranhamentos do destino humano. Que não percamos a esperança na arte cinematográfica como meio que protege humanismo dentro de nós. Que pode constituir uma ponte para uma melhor compreensão individual de cada um de nós. Nesta perspetiva, os filmes do pessimista Kieslowski são um apoio e uma importante referência. A marca que deixou em nós reflete as grandes palavras de Luís de Camões:  “Aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”

Cartaz da Exposição | Catálogo da Exposição